A noção de patrimônio histórico nasce na França após a Revolução Francesa e, segundo especialistas, está muito mais relacionada ao medo da perda que à vontade de preservar. No terceiro programa da série especial do USP Analisa sobre remoção de monumentos históricos ligados a memórias dolorosas, a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Giselle Beiguelman e o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro Alberto Goyena discutem como memória, destruição e esquecimento estão envolvidos nessa questão.
Segundo Alberto, para algumas culturas, memórias trazem problemas e, por isso, busca-se libertar delas. Para outras, a destruição tem um papel pedagógico, como é o caso dos japoneses. “O antropólogo Marshall Sahlins relata que muitos templos japoneses são construídos em determinado momento e, depois de 30, 40 anos, eles são demolidos e reconstruídos. Porque o que interessa para essa cultura não é passar adiante o templo em si pronto e acabado. O que interessa é que as gerações seguintes possam refazer o templo, ou seja, dominar a técnica construtiva. O nosso patrimônio é a técnica, é o saber erguer esse templo sem um parafuso, sem um prego, ele é inteiramente de encaixe de madeira. A demolição é um ritual que tem uma função didática para as novas gerações. Destruindo o templo é que você aprende a montar, a remontar, a encaixar essas peças todas”, explica.
Para Giselle, os atos derrubacionistas, de destruição de estátuas, vistos recentemente após manifestações do movimento Black Lives Matter são explicados como forma de contraposição à violência histórica e social que se perpetua há séculos. “Nós não podemos ser hipócritas ao ponto de esquecer que esse derrubacionismo também segue uma longa trajetória do poder que se esmerou em derrubar ocultar e desterrar outras memórias. Basta a gente pensar no caso da cidade de São Paulo. O bairro da Liberdade, que nós assumimos como bairro japonês, historicamente é um bairro inclusive onde está o cemitério dos escravos, que era conhecido como o Largo da Forca. E assim que a República instituída, é renomeado como contraponto ‘da Liberdade’. Então essa dinâmica de apagamentos é constitutiva da história urbana”, diz a professora.
Também participa da entrevista o especialista Gabriel Fernandes, do Centro de Preservação Cultural da USP, parceiro do USP Analisa na realização desta série especial.
O terceiro programa vai ao ar nesta quarta (9), a partir das 18h05, com reapresentação no domingo (13), a partir das 11h30. Ele também pode ser ouvido pelas plataformas de streaming iTunes e Spotify.
O USP Analisa é uma produção conjunta do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP e da Rádio USP Ribeirão Preto. Para saber mais novidades sobre o programa e outras atividades do IEA-RP, inscreva-se em nosso canal no Telegram.