Dezenas de ônibus partiram de diferentes pontos do Estado do Rio Grande do Sul até a capital Porto Alegre, levando cerca de 500 diretores de escolas municipais para um dia inteiro de diálogo com especialistas parceiros da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira no dia 17 de outubro. O encontro foi uma das ações realizadas por meio da nova parceria entre a Cátedra e o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul visando apoiar 21 redes de ensino no desenho de políticas que garantam melhoria dos resultados de aprendizagem. No primeiro encontro, o tema central foi sobre o papel das lideranças para fomentar o desenvolvimento da comunidade escolar e reduzir desigualdades no desempenho dos estudantes.
Na cerimônia de abertura, realizada no Teatro do Sesi do Centro de Eventos da Fiergs, o diretor-geral do TCE-RS, Mauro Carapeços falou sobre a importância da troca de conhecimento em educação. “Quanto mais estivermos dispostos a aprender, mais a gente aplica bem os recursos e consegue melhores resultados, por isso que a atuação do Tribunal não se resume a fiscalizar, é nosso dever também orientar e colaborar com o conhecimento”, disse, ao se referir ao programa Educa Mais RS, lançado em julho pelo Centro de Políticas Públicas (CPP) do Tribunal.
“Os municípios foram convidados a participar de uma série de mentorias. Aqueles que eventualmente não venham, não sofrem nenhuma punição, e percebemos que eles estão participando ativamente porque enxergam valor no conteúdo que os palestrantes estão trazendo”, afirmou Vinicius Leoni Lacerda, responsável pelo Educa Mais RS. Segundo ele, desde o início do projeto, o objetivo era conseguir gerar transformações na ponta, ou seja, nas escolas. “Ao ser convidado como mentor, o professor Mozart já se dispôs a oferecer esse curso da Cátedra aos diretores, algo que era essencial para concretizar nossos objetivos”, argumentou.
Durante sua palestra para os gestores, o titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados polo Ribeirão Preto da USP, Mozart Neves Ramos detalhou o processo de construção da matriz com 17 competências gerais dos diretores escolares, relatada por ele em 2019, quando foi membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), e que ainda aguarda homologação do Ministério da Educação.
“Passamos meses ouvindo muitos setores, um esforço monumental porque não havia muitas análises já feitas definindo bem o papel do gestor escolar e as habilidades que ele ou ela precisam desempenhar em seu cotidiano para apoiar a escola como um todo”, contou, explicando que o parecer é flexível e oferece recomendações passíveis de adaptação a contextos locais. “Minha segunda recomendação é: trabalhem com base em evidências, tenham com vocês pessoas que entendam os dados para tomar decisões assertivas e saber o que está funcionando e o que não está”.
Na sequência, Filomena Siqueira apresentou os resultados de sua pesquisa de pós-doutorado realizada por meio de parceria entre a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira e a Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto (SP). Segundo ela, as discussões sobre seleção de diretores são relevantes, mas é preciso ir além e deixar claro quais as expectativas da rede de ensino sobre a pessoa que exerce esse papel, e que tipo de formações ela vai ter para desempenhar a função. “Independentemente se a entrada for por nomeação, eleição ou concurso, a partir do momento que o profissional senta na cadeira de diretor, que apoio ele vai receber para executar bem seu papel? Sem preparo adequado e clareza da função, dificilmente vamos conseguir melhores resultados nas escolas”, afirmou.
Para ela, a partir do documento do CNE, o momento atual é propício para ressignificar o entendimento das redes sobre a liderança escolar. “O diretor não deve ser visto como um ‘faz-tudo’, que só aparece para ‘apagar incêndio’. Ele é central para construir a cultura organizacional da escola, tem atribuições específicas e nós já temos evidências de que os diretores que dão atenção a um conjunto de práticas alcançam melhores resultados”, defendeu. Entre as ações recomendadas por ela, estão a atenção ao engajamento das equipes a partir de uma compreensão do perfil de cada pessoa, e o comprometimento com a questão pedagógica, escolhendo processos avaliativos adequados, identificando os pontos mais desafiadores em cada turma e orientando os professores sobre quais as estratégias de aprendizagem a escola usa quando há defasagem nas aprendizagens.
“Esse momento hoje foi um convite a resgatarmos o que é essencial no trabalho dos diretores, que é a aprendizagem. Apesar de ser tão fundamental, realmente o pedagógico acabou perdendo um pouco de espaço na rotina deles e isso precisa mudar”, afirmou a superintendente de gestão pedagógica em Santa Maria, Gisele Bauer. “O fato de conseguirmos trazer todos os diretores da rede hoje, em uma participação voluntária, prova o nível de confiança e o interesse de todos nós. Essa imersão no Educa Mais só nos ajuda enquanto rede, percebo um sentimento de pertença grande e acredito que voltamos para casa com mais instrumentos e animados em repercutir com os demais!”
Participação de especialistas
As diretoras e diretores presentes no primeiro encontro da jornada formativa também ouviram a especialista e consultora da Cátedra, Simone André, sobre a importância das competências socioemocionais para educadores. “Temos vivido múltiplas crises, como pessoas e como educadores. Como nos sentimos nesse mundo em transformação?” refletiu, mostrando análises que apontam as competências de resiliência, empatia, flexibilidade e a intuição como importantes para se sentir bem no mundo contemporâneo.
“As socioemocionais impulsionam a aprendizagem, são decisivas para enfrentar desafios e podem ser aprendidas e aprimoradas por meio de interações, mas ainda há muitas dúvidas de como fazer isso acontecer na escola”, disse Simone. De acordo com ela, formações que possibilitem vivências, experimentação e papel ativo geram mais consciência e repertório para o educador utilizar no seu dia a dia. Promover escuta ativa, propor desafios e oportunidades para busca conjunta de soluções, mediar conflitos são algumas das práticas indicadas por ela. “Existem muitos caminhos para desenvolver lideranças, mas os melhores acontecem em rede, contando com a colaboração profissional de modo que o grupo se torna uma foça coletiva de melhoria do sistema educacional”, afirmou.
Ernesto Faria, diretor executivo do Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE), apresentou diversos recursos que os diretores podem acessar gratuitamente para trabalhar com indicadores no planejamento, como o portal QEdu. “São muitos os benefícios em usar dados na gestão escolar, mas é preciso ter a informação que gere ação. Se recebemos um relatório mostrando que uma escola tem apenas 200 pontos na escala Saeb, isso não diz muita coisa. Mas se o dado indica que 80% dos estudantes do 9º ano possuem dificuldades em Matemática, isso gera uma compreensão e um passo para ações”, defendeu.
Com bons diagnósticos, por exemplo, é possível identificar escolas de baixo nível socioeconômico com bons resultados e procurar saber o que elas estão fazendo. Ou localizar uma escola onde estudantes pretos e pardos apresentam resultados acima da média e descobrir uma ótima fonte de práticas antirracistas em sala de aula. “Cruzar indicadores permite localizar situações específicas, fazer escutas e realizar intervenções. Dado não é só a nota no Ideb, é possível ir muito mais fundo e ter informações valiosas para uso pedagógico”, explicou Ernesto.
Informações gerais
Os diretores participantes do curso “As Competências Gerais do Diretor de Escola” terão acesso a videoaulas assíncronas disponibilizadas em um ambiente exclusivo no Moodle e materiais produzidos pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira. No dia 6 de dezembro, um novo encontro presencial marcará o encerramento da jornada, com duas temáticas escolhidas por votação dos próprios participantes: convivência escolar e acompanhamento da alfabetização.
O Educa Mais RS é um programa desenvolvido pelo Centro de Orientação e Fiscalização de Políticas Públicas (CPP) do TCE-RS, com o apoio da Escola Francisco Juruena (ESGC), que tem por objetivo a melhoria dos indicadores de aprendizado e de permanência dos alunos das redes municipais e estadual de Ensino Fundamental por meio do aperfeiçoamento da gestão educacional dos municípios gaúchos mediante capacitação com alguns dos mais renomados especialistas brasileiros. Saiba mais sobre a iniciativa em ead.tce.rs.gov.br.