Ter uma legislação específica que regule o uso de tecnologias envolvendo inteligência artificial é algo debatido já há alguns anos no Brasil. Mas será realmente necessário criar um novo dispositivo ou o regramento que já existe seria capaz de atender essa necessidade? Os professores Cristina Godoy, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, e Evandro Ruiz, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, conversaram sobre isso com o USP Analisa.
Cristina citou o Projeto de Lei 21/2020, de autoria do deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), que criava o marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial. Apesar de aprovado na Câmara, no Senado ele acabou englobado por um outro, o PL 2.338/2023, proposto pelo presidente da casa, Rodrigo Pacheco.
A professora explica que no sistema jurídico brasileiro existem dois tipos de responsabilidade: a responsabilidade subjetiva, na qual é preciso demonstrar que uma ação gerou dano e comprovar a culpa do autor dessa ação; e a responsabilidade objetiva, que exige apenas a existência da ação e do dano, sem a necessidade de comprovação da culpa.
“O regime geral no PL 21/2020 era exatamente de responsabilidade civil subjetiva. Aí muitos falaram que deveria ser objetiva. Mas o Código de Defesa do Consumidor já previa a responsabilidade objetiva. E a maior parte dessas situações vai envolver o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Falar do regime de responsabilidade civil subjetiva quando não se aplica o CDC é raro, então não tinha porque discutir tanto sobre esse assunto”, diz ela.
Evandro lembra que o Marco Civil da Internet, que entrou em vigor em 2014, teve uma tramitação longa e bastante contestada, mas hoje é o documento no qual a computação se espelha para crescer. Para ele, alterar ordenamentos como o Marco, que foram criados há menos de dez anos, traz riscos ao desenvolvimento da tecnologia no país.
“Isso pode até provocar uma erosão dessas empresas de inovação e eventualmente até provoca uma fuga dos cérebros do Brasil para desenvolver aquela boa ideia num outro lugar. Se a gente discutir agora um documento e tiver um consenso, que a gente aprove esse documento e teste ele por alguns anos. A gente sabe que, se a sociedade muda, obviamente o ordenamento jurídico vai mudar. Mas é preciso ter uma estabilidade. Que essas regras permaneçam por um tempo para a gente poder experimentar, ver o que deu certo e o que não deu certo. E acho que dez anos é pouco. Para a computação, é pouco”.
Cristina e Evandro também integram o Grupo de Estudo Direito e Tecnologia – TechLaw do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP.
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O programa é uma produção conjunta do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP e da Rádio USP Ribeirão Preto. Para saber mais novidades sobre o USP Analisa e outras atividades do IEA-RP, inscreva-se em nosso canal no Telegram ou em nosso grupo no Whatsapp.