Pode a atuação do diretor escolar ter impacto sobre a aprendizagem e o desempenho dos estudantes? Como auxiliar esse profissional a desempenhar uma liderança eficaz? Essas duas questões são os principais motores de um trabalho que a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP, está iniciando em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto.
Conduzida pela pesquisadora sênior do Consortium for Policy Research in Education, da Columbia University, e head de avaliação do Instituto Reúna, Filomena Siqueira, a iniciativa pretende criar um instrumento que ajude a desenvolver as competências estabelecidas pela Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar, documento aprovado pelo Conselho Nacional de Educação há pouco mais de um ano.
“Eu sou totalmente entusiasta e encantada com o tema da gestão escolar. Acredito que é um eixo essencial como, claro, várias outras peças que fazem o sistema educacional funcionar. Mas o eixo de direção, de liderança escolar, faz muita diferença. E eu acho que a gente teve um processo um pouco tardio de entender o papel da liderança escolar, que talvez tenha ficado um pouquinho invisibilizada nesse processo. Agora isso está mudando e muitos benefícios poderão vir desse novo olhar”, diz ela.
Filomena começou a se interessar pela relevância do diretor escolar em seu doutorado, que investigou basicamente a influência dessa figura nos resultados de aprendizagem dos estudantes nas escolas públicas brasileiras utilizando métodos qualitativos e quantitativos.
A parte qualitativa analisou as legislações de 20 estados e o que indicavam em relação às atribuições dos diretores escolares. Também foram feitas entrevistas com profissionais ligados à gestão. “Comecei a ver que nessas legislações havia descrições bastante burocráticas. Era uma lista em check e não necessariamente um instrumento que indicasse qual é o perfil, a postura da pessoa que vai ocupar esse cargo. Nas entrevistas, ficou claro que, quando não é apontamento político, até existem outros critérios para a escolha pela secretaria, mas não existe uma orientação clara, uma competência, é burocrático mesmo”.
Na parte quantitativa, Filomena analisou os questionários das edições de 2013, 2015 e 2017 do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para um total de 38 mil escolas. A partir disso, estruturou uma regressão multivariada em que observou a correlação da nota dos alunos com um conjunto de 12 variáveis.
“Esse modelo me mostrou que a liderança escolar tem uma associação positiva com a nota dos alunos, podendo exercer uma influência de até 12 pontos no Saeb. Mas há um potencial subutilizado aí. Afinal, o que a gente está fazendo para o desenvolvimento de lideranças eficazes? Como a gente está formando as pessoas que têm interesse em ocupar o cargo de diretor escolar?”, questiona a pesquisadora.
Agora, em seu pós-doutorado na Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, Filomena quer levar esses questionamentos para a prática e, com o apoio da Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto, desenvolver uma matriz com rubricas que possam nortear o desenvolvimento dessas competências na rede de ensino local.
“A gente não chega com competências prontíssimas. Eu duvido que alguma secretaria vai abrir um processo seletivo e vão bater na porta pessoas 100% prontas, com todas as competências esperadas. Não, isso é um processo. E não é um processo binário, um dia eu não tenho nada e no outro dia eu sou excelente nessa competência. A gente vai desenvolvendo essas competências”, lembra.
O primeiro passo desse trabalho foi dado no dia 19 de maio, em um evento na sede do IEA-RP, no qual Filomena apresentou a proposta da pesquisa a uma plateia de diretores, vice-diretores e técnicos da Secretaria. Ao lado dela, estava o titular da Cátedra, Mozart Neves Ramos, que, inclusive, foi o relator da Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar no CNE.
“Ser gestor é algo que você vai desenvolver e é permanente. Quando eu estava nessa relatoria, muita gente me questionava: precisa ter formação pedagógica para ser um gestor? Aí chamei o economista Ricardo Paes de Barros e pedi a ele um estudo mostrando se há impacto na aprendizagem quando você tem um diretor com formação pedagógica e um diretor sem formação pedagógica. Ele pegou todas as cidades de médio porte, que é o foco aqui da Cátedra, e fez o estudo. O que ele encontrou? Ele viu claramente cidades com os mesmos perfis, portanto controlando certas variáveis, o Ideb e o percentual naquelas redes cujos diretores tinham formação pedagógica. No Ideb, equivale a quase meio ponto a cada 10 pontos percentuais”, conta ele, ressaltando a importância de um preparo adequado a esses profissionais.
O secretário municipal de Educação de Ribeirão Preto, Felipe Elias Miguel, também acompanhou o evento. “A equipe do IEA tem conhecimento dos dados da rede municipal de ensino, dos indicadores, sabe a situação de cada escola e inclusive já visitou algumas. O professor Mozart sabe das nossas dificuldades e tem, junto com a equipe do IEA, proposto caminhos. Já estamos trabalhando em alguns projetos em conjunto”.
O presidente do Conselho Municipal de Educação, Rafael José da Silveira, que também é diretor na EMEF Antônio Palocci, acredita que a proposta terá um impacto muito positivo na rede local. “Nós temos sim nossas dificuldades, nós temos sim o que melhorar, nós não temos o que esconder. Eu acho que qualquer intervenção é muito bem-vinda para pensar no nosso trabalho, como a gente está caminhando, na situação da nossa própria formação continuada. Talvez muitos de nós aqui idealizamos ser professores, mas não ser gestores, aconteceu. Então ter formação continuada para gestores seria muito interessante. Eu acho que esse instituto poderia contribuir bastante nesse sentido”.
Alessandra Mara Sicchieri, diretora da EMEF Maria Ignez Lopes Rossi, acredita que olhar os resultados a partir da liderança escolar traz uma nova perspectiva ao que ela já vivenciou como professora e como gestora. “Trabalhei muito tempo na formação da rede municipal aqui em Ribeirão, tanto na parte de formação de professores, quanto preparando os materiais avaliativos e fazendo a leitura avaliativa de dados da rede. E nós nunca pensamos, enquanto equipe, na liderança. Nós pensávamos na escola estruturada enquanto professores. Então eu acho que esse trabalho traz uma nova perspectiva. Eu nunca pensei em ser gestora, acabei virando gestora, faz quatro anos, estou aprendendo ainda, e realmente eu achei muito interessante esse foco de pensar”, diz ela.
Para o coordenador do IEA-RP, Antonio José da Costa Filho, esse novo trabalho vai ao encontro dos objetivos da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira. “Nós não queríamos que o objetivo se resumisse a colocar mais uma monografia ou mais uma dissertação na prateleira da biblioteca. Nosso objetivo principal era fazer com que o conhecimento produzido com o trabalho da cátedra chegasse onde os profissionais da educação estão, que a política pública pudesse alcançar aqueles que se beneficiariam dela, especialmente aqui na cidade de Ribeirão Preto”, afirma ele.