Projeto de lei prevê políticas educacionais com base em evidências em Cordeirópolis (SP)

Projeto de lei prevê políticas educacionais com base em evidências em Cordeirópolis (SP)

Com a finalidade de garantir o padrão de qualidade na Educação Básica para todos os estudantes do município, um novo projeto de lei instituiu a Política Pública de Educação Baseada em Evidências no Sistema Municipal de Ensino de Cordeirópolis, no interior de São Paulo. A iniciativa conta com apoio da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP, e prevê que a gestão educacional pública implementará ações visando à maior aprendizagem e à diminuição das desigualdades educacionais.

O documento, assinado durante cerimônia na prefeitura de Cordeirópolis no mês de junho com a presença de toda a equipe da Secretaria Municipal de Educação, tem como propósito o estabelecimento de estratégias que conectem o planejamento, a gestão e as práticas escolares com evidências científicas. Entre os argumentos para a lei, está o fato de que já existe no País uma robusta produção acadêmica constituída por pesquisas e análises, bem como grupos de pesquisa consolidados em diversas instituições públicas e privadas, cujo trabalho pode impactar a educação. Mas, para isso, é preciso que o Sistema Municipal de Ensino se aproprie desses conhecimentos e também realize estudos específicos sobre a realidade local.

“Para nós, a assinatura dessa lei é um marco na trajetória da cidade. Ela vem nortear um trabalho que já está sendo feito em busca de compreender todos os resultados da nossa rede, entender se um projeto ou um programa implementado traz quais resultados, e trabalhar na formação dos professores, dos gestores, visando a equidade na aprendizagem” afirmou a secretária de Educação, Angelita Ortolan. “Há quase dois anos temos a oportunidade de ter a Cátedra como uma grande aliada e já sentimos o impacto do que aprendemos, além de poder levar para a equipe e os gestores escolares uma formação e uma orientação com essa qualidade. A assinatura da lei consolida o trabalho e permite que ele tenha continuidade”.

Para o titular da Cátedra, Mozart Neves Ramos, uma lei como essa permite, na prática, a busca pelo desenvolvimento dos estudantes. “Esse projeto é a base legal para fortalecer uma cultura de buscar subsídios para a tomada de decisão. Não adianta ter a informação se não existir alguém que a traduza em escolhas”, analisou Mozart. “Se um gestor não apoia quem trabalha com os números, acaba trabalhando com base em achismos e as crianças continuam sem aprender. Cordeirópolis dá um exemplo ao ser o primeiro município com uma legislação nesse sentido, algo que deveria ser comum, mas ainda não é. Espero que se espalhe para outros locais.”

Qualidade na educação

O projeto resgata o que a própria Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estabelecem: é dever da educação escolar pública efetivar a garantia de padrões mínimos de qualidade de ensino e a LDB inclusive reforça que as despesas para a busca desse objetivo se destinam também a “levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino” (Inciso IV do Art. 70 da LDB). De acordo com a Lei de Cordeirópolis, os padrões de qualidade devem estar baseados no conhecimento empírico de práticas exitosas e, sobretudo, em evidências propiciadas por conhecimentos pedagógicos e científicos, inclusive da Neurociência e outras disciplinas, quer produzidos pelo próprio Sistema Municipal de Ensino ou por outros educadores, especialistas e pela comunidade científica. 

Entre os conhecimentos que podem embasar políticas públicas, estão as técnicas mais adequadas para o trabalho eficiente dos professores, a organização geral da educação no ambiente escolar por parte dos gestores e também o uso de um robusto sistema de métricas de avaliação capaz de aferir o grau de sucesso do que é proposto e adotado na rede escolar. A análise do desempenho das escolas municipais realizada em 2023 e 2024 pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira é apontada como um dos exemplos. 

“Uma das chagas na educação brasileira é que a cada gestão entra uma pessoa nova com um achismo novo, afirmando ‘acho que devemos fazer aquilo’ e mudando completamente o que estava sendo feito. Ou então tentando achar ‘culpados’, e a alta direção acha uma coisa enquanto a equipe no chão da escola acha outra. E, nesse achismo, a qualidade do ensino vai andando de lado”, afirmou o prefeito de Cordeirópolis, Adinan Ortolan. “O trabalho na educação é um trabalho a médio e longo prazo. É preciso ter uma sequência para colher bons resultados, e é isso que uma lei como essa possibilita. Além disso, nós precisamos fazer uma revolução científica na educação. Você pensa cientificamente analisando dados, os resultados de avaliações, e focando no que precisa para garantir a melhoria da aprendizagem do aluno.” 

Segundo ele, a nova lei institucionaliza e oferece ainda mais amparo à interação entre as escolas e as universidades. “É uma forma de corrigir outra chaga que temos na educação, que é o abismo entre a pesquisa, a universidade, e a escola em si, a educação básica em si. Aproximar esses dois polos é muito importante e significativo, mas agora temos que seguir trabalhando para efetivar o que essa lei permite”, disse o prefeito.

Diálogos para a aprovação

A aprovação do projeto de lei, que contou com unanimidade na Câmara dos Vereadores, foi resultado de diversas frentes de diálogo, inclusive com apoio do titular da Cátedra explicando os benefícios de uma iniciativa como esta. “Esse projeto passou por alguns desafios para ser bem compreendido, e a aula do professor Mozart foi essencial para o entendimento da importância dessa medida para nosso município”, contou o vereador Diego Fabiano.

A coordenadora de projetos especiais da Secretaria de Educação, Sandra André Carmo, ressaltou que a própria trajetória até a homologação da lei foi de muito aprendizado. “Esta foi a minha primeira missão na Secretaria: ler a minuta do projeto de lei, compartilhar com outras pessoas e a gente começar a conversar sobre isso. Eu acompanhei todo o passo a passo, as reuniões e diálogos. Ver essa lei sendo assinada é muito importante e eu aprendi muito”, disse.

Durante a cerimônia, o prefeito também reforçou a importância de esclarecer o objetivo da proposta. “É um tema sobre o qual as pessoas às vezes não têm compreensão. Fazer o trabalho educacional baseado em evidências científicas, é basicamente o seguinte: o aluno faz uma avaliação, e a partir daquele resultado a escola trabalha para melhorar a qualidade do ensino nas turmas. Existe toda uma técnica para isso, que é onde a Cátedra tem nos auxiliado”, destacou Adinan.

Formação de equipes

Entre outras medidas, a lei autoriza o Poder Executivo a instalar o chamado Comitê Científico-Pedagógico, com o objetivo de propor medidas que garantam a qualidade da Educação Básica no município. Esse comitê será composto por representantes de instituições dedicadas à pesquisa em educação, por profissionais com experiência e qualificação e por um representante indicado pelo Conselho Municipal de Educação, que exercerão suas funções sem remuneração. Também poderão ser convidados a participar dos trabalhos do Comitê outros representantes de órgãos públicos, entidades e associações representativas da sociedade civil.

Além de identificar as pesquisas e experiências exitosas e analisar a pertinência de utilizar esses conhecimentos no município, o Comitê Científico-Pedagógico pode propor estudos específicos sobre a realidade da educação em Cordeirópolis e a realização de atividades para formação e desenvolvimento profissional docente, com foco em temas como a melhoria do processo de ensino e de aprendizagem, a gestão das escolas e da rede de ensino municipal em busca de equidade, diversidade e redução das desigualdades, na inovação metodológica e tecnológica.

“Diante de tantas transformações, da tecnologia e do conhecimento, nós precisamos acompanhar as mudanças para que nossa prática seja mais eficiente” afirmou Angelita. “A Cátedra vem, não para dizer o que o professor tem que trabalhar do currículo, mas para apoiar com uma leitura dos dados que muitas vezes nós não conseguimos fazer dentro da rede, e identificar o que a gente precisa fazer para avançar na aprendizagem”, completou.

Para a diretora da Escola Municipal Maria Aparecida, Luciane Araújo, a aproximação com a Cátedra possibilitou realizar um trabalho mais intencional com as avaliações. “O curso da Cátedra fala muito em enxergar o potencial do outro e valorizar o poder de liderança que o outro pode exercer. Quando passei a ser gestora da escola, encontrei uma equipe desmotivada e sem esperança de apresentar bons resultados”, contou. “A partir de avaliações, percebemos os pontos que os estudantes já entendiam bem e os que precisávamos reforçar. Então fomos trabalhando nas dificuldades das crianças e deu muito certo.”

Após participar do primeiro módulo da formação em análise de dados, oferecida pela Cátedra em 2023, a coordenadora do Ensino Fundamental da Secretaria de Educação, Eliane Boteon, já realizou levantamentos próprios com os dados completos de cada escola do sistema municipal de ensino. “A partir do curso, eu pude aprimorar meus conhecimentos e buscar entender o nível de proficiência dos nossos estudantes de modo mais completo. Já fiz reuniões com os coordenadores, para eles conhecerem também as metodologias e identificarmos onde precisamos melhorar”, relatou. “Com o trabalho em cima de dados, fica muito mais fácil mostrar para os educadores o que podemos fazer. E fico feliz por saber que a assinatura dessa lei permite uma continuidade desse trabalho. Nós não vamos parar por aqui”.

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