Problema não é criptoativo, mas brechas na regulação que os criminosos aproveitam, diz especialista

Problema não é criptoativo, mas brechas na regulação que os criminosos aproveitam, diz especialista

O uso de criptoativos para lavagem de dinheiro pelo crime organizado e a exploração de crianças e adolescentes na internet foram dois crimes digitais que ganharam bastante repercussão nos últimos meses. No primeiro caso, graças a uma operação da Polícia Federal que descobriu ligações entre uma organização criminosa e fintechs e, no segundo, por conta de um vídeo publicado por um influenciador digital mostrando como algoritmos podem ser condicionados para propagação de material ligado à exploração infantil. O USP Analisa desta semana (23/10) vai analisar esses dois casos dentro da série especial sobre criminalidade e violência, em uma entrevista com o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e colaborador do Observatório de Segurança Pública da Unesp, Felipe Ramos Garcia.

Sobre o uso dos criptoativos, Felipe lembra que existe um marco legal em vigor desde 2023 que exige que provedores de serviços ativos virtuais, de câmbio e de compra a venda de moedas digitais tenham autorização do Banco Central para funcionar e sejam fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários.

“A lei, de modo geral, não criminaliza os criptoativos, mas tenta estabelecer alguns marcos para regular o comércio e o mercado de criptoativos no Brasil. O ponto é que a gente observou, com a última operação [da Polícia Federal], algumas fragilidades nessa legislação, porque ela tende a não abarcar com tanto fervor, como acontece no caso de bancos, as chamadas fintechs”.

Felipe explica que, no caso dos bancos, todas as transações são comunicadas ao Banco Central. Já no caso das fintechs, há a operação das chamadas contas-bolsão, que são comunicadas apenas quando chegam a um determinado valor, e podem conter tanto dinheiro lícito, de comerciantes comuns, quanto ilícito, proveniente do tráfico de drogas, por exemplo. 

“Essa falta de fiscalização mais detida cria um ambiente fértil para este tipo de envolvimento com crime organizado. Boa parte das vezes, como é o caso dessas operações que aconteceram, há o envolvimento de criptoativos, justamente por uma certa dificuldade de rastreá-los e porque, em vários casos, eles acabam operando na margem dessa fiscalização. Então, o problema não é o criptoativo em si, mas as brechas na regulação, que o crime organizado e os criminosos sempre vão aproveitar”, explica ele.

Sobre a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, Felipe destaca que, após a pandemia, houve uma maior discussão sobre os impactos da exposição intensa de jovens às redes sociais, o que tem levado alguns países a cercear o uso delas por menores de 16 anos e a obrigar as plataformas a fiscalizar esse uso.

“A gente precisa olhar para as plataformas digitais não necessariamente como uma vilã ou como uma mocinha nessa história, mas como queremos pensar em educar os nossos filhos. Porque se é um ambiente em que há exposição de golpes, links fraudulentos, exposição de plataforma de aposta, como a gente gostaria que os nossos filhos, nossos sobrinhos, nossos netos estivessem participando dessa esfera? Talvez seria interessante pensar em alternativas para ou coibir esse tipo de participação, pelo menos até uma certa idade – aí, enquanto sociedade a gente precisa chegar nesse denominador comum – ou virtualmente intensificar essa responsabilização para que pelo menos esse tipo de conteúdo não chegue a essas crianças e adolescentes”, sugere o pesquisador. 

O USP Analisa é quinzenal e leva ao ar pela Rádio USP às quintas-feiras, às 16h40, um pequeno trecho do podcast de mesmo nome, que pode ser acessado na íntegra nas principais plataformas de podcast.
O programa é uma produção conjunta do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP e da Rádio USP Ribeirão Preto. Para saber mais novidades sobre o USP Analisa e outras atividades do IEA-RP, inscreva-se em nosso canal no Telegram ou em nosso grupo no Whatsapp.

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